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Economia e Negócios

PIB fica abaixo das previsões e recua 0,1% no segundo trimestre

O resultado veio abaixo das estimativas de economistas, que esperavam crescimento de 0,2%.

A trajetória de recuperação da economia brasileira, após o tombo causado pela covid-19 em 2020, passou por um soluço no segundo trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os produtos e serviços produzidos na economia em determinado período) registrou ligeira queda de 0,1% em relação ao primeiro trimestre, informou nesta quarta-feira, 1.º, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O resultado veio abaixo das estimativas de economistas ouvidos pelo Estadão, que, na maioria, esperavam crescimento de 0,2%. O intervalo das projeções ia de queda de 0,3% a alta de 0,7%.

No primeiro trimestre, a economia surpreendeu e o PIB cresceu 1,2% sobre os três últimos meses de 2020. No início do ano, a retomada foi puxada por atividades voltadas para a exportação, como a agropecuária e a indústria extrativa, enquanto a demanda interna foi mais morna.

De abril a junho, o comportamento da economia foi mais parecido com o “normal”. O setor de serviços, que responde por pouco mais de 70% da economia, avançou 0,7% sobre o primeiro trimestre, puxando a atividade econômica, pelo lado da oferta. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias, com peso de cerca de 60% no total do PIB, ficou estável.

Dois fatores foram importantes nessa dinâmica. De um lado, a volta do auxílio emergencial ajudou a dar algum impulso na demanda doméstica. De outro lado, apesar do recrudescimento da pandemia, que registrou números recordes de mortes em março e abril, as medidas de restrição ao contato social afetaram menos o funcionamento dos negócios do que se imaginava inicialmente.

O setor de serviços abriga algumas das atividades econômicas mais afetadas pelas restrições, como bares, restaurantes, casas de show, salões de beleza, cinemas, hotéis e transporte de passageiros.

Uma marca da crise causada pela covid-19 foram os efeitos desiguais sobre a economia. Na retomada ao longo do segundo semestre do ano passado, a demanda por serviços muito específicos - como os de tecnologia da informação (TI) e de intermediação financeira - e por bens - alimentos, remédios, eletrodomésticos e material de construção, por exemplo - cresceu acima da demanda por esses serviços mais atingidos.

Segundo a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a simples “normalização” do funcionamento dos serviços já garante um crescimento econômico “automático”. Ou seja, mesmo com a crise ainda no radar, o desemprego elevado e o aumento da pobreza, basta retirar as restrições ao consumo desses serviços para que a demanda cresça em alguma medida e, com ela, a atividade econômica como um todo.

“A pergunta é quão rápida está sendo a normalização dos serviços”, diz, lembrando que as restrições à mobilidade das pessoas na passagem de março para abril, quando algumas cidades apertaram as medidas contra a pandemia, tiveram um impacto menor do que no início da pandemia. “A despeito da pandemia e das dificuldades, a economia se normaliza. Uma hora, a sociedade se cansa, as empresas e os trabalhadores se adaptam. E as restrições ficam mais pontuais sobre o turismo e o entretenimento”, completa a economista.

O comportamento mais “normal” da economia no segundo trimestre não quer dizer que os problemas causados pela covid-19 ficaram para trás. A desorganização geral das cadeias globais de produção da indústria, marcada por gargalos no transporte marítimo e encarecimento do frete e pela escassez e encarecimento de insumos básicos, como microchips, puxou a retração de 0,2% no PIB da indústria na comparação com o primeiro trimestre.

Embora a indústria extrativa, que reúne atividades exportadoras, como a produção de minério de ferro e de petróleo e gás, tenha avançado 5,3%, a indústria da transformação amargou perda de 2,2%, também na comparação com os três primeiros meses do ano. Essa atividade reúne a fabricação da maioria dos bens, como automóveis, cuja produção é uma das mais afetadas pela escassez de chips importados da China.

Ainda no lado da oferta, o PIB da agropecuária, que tinha sido um dos motores do crescimento no primeiro trimestre, na esteira da safra recorde de soja, recuou 2,8% no segundo trimestre. A principal responsável pela queda foi a estiagem. A seca no centro-sul do País afetou diretamente a produção de milho, segunda cultura mais importante da agricultura nacional.

“Os problemas estão mais à frente agora, com o cenário crítico de aumento da inflação e, consequentemente, dos juros, e a crise hídrica, que impõem riscos crescentes à retomada”, diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale.

O aumento da inflação também tem a ver com a estiagem. Embora, no último ano, os preços de alimentos e de bens industriais venham acumulando reajustes, mais recentemente, a conta de luz tem sido a principal vilã.

A falta de chuvas deixou os reservatórios das usinas hidrelétricas, que respondem por boa parte da eletricidade no País, nos níveis mínimos históricos, afetando a geração de energia e exigindo o acionamento de usinas térmicas na capacidade máxima. O custo mais elevado das térmicas é repassado ao consumidor, por meio de taxas extras nas contas de luz. O quadro é tão grave que o governo federal elevou até mesmo o valor da taxa extra máxima cobrada nas contas.

Só que os problemas na geração de energia podem ir além da conta de luz mais cara. Vale, da MB Associados, vê a possibilidade de racionamento de energia e o risco de blecautes no fim do ano. Nesse caso, a restrição atingiria a economia pelo lado da oferta. Indústrias teriam que cortar o ritmo de produção e negócios como bares e restaurantes teriam mais um obstáculo para seu funcionamento normal, para além das medidas que evitam aglomerações de pessoas por causa da covid-19. O cenário de Vale está tão negativo que inclui até mesmo uma retração no PIB do quarto trimestre, o que deixaria o crescimento econômico de 2021 abaixo de 5,0%.

Silvia Matos, do Ibre/FGV, inclui a crise hídrica - que afeta a produção de alimentos e o setor elétrico, causando tanto uma inflação “muito forte” quanto restrições para a indústria -, a desorganização das cadeias globais de produção e a falta de capacidade fiscal do governo para gastar mais com políticas de transferência de renda para os mais pobres numa lista de “problemas” a atrapalhar a retomada. Mesmo assim, a economista diz que não tem uma “visão catastrófica”. Aquele crescimento “automático” com alguma “normalização” dos serviços estaria garantido em 2021. Os problemas bateriam mesmo no crescimento de 2022.

“A economia reage, mas desacelera com esse bando de restrição. Assim, o crescimento fica baixo”, afirma.

Para o economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), o cenário é mais negativo. O efeito da inflação sobre a renda das famílias pode atrapalhar o consumo a ponto de suplantar o impulso positivo com a “normalização” do setor de serviços. Para ele, a normalização em relação à pandemia já vem ocorrendo após o pico da segunda onda, em abril. Embora haja dúvidas sobre uma eventual terceira onda provocada pela variante Delta do novo coronavírus, a “crise de energia” trará os problemas.

“Mesmo que a terceira onda não venha, há o choque de oferta negativo da crise de energia, que vai manter inflação rodando em 8%. Isso significa corrosão do poder de compra dos trabalhadores. Como não tem recuperação do emprego, a massa salarial vai cair”, diz Oreiro.

A “massa salarial” representa toda a renda do trabalho das famílias e indica a capacidade de consumo da população. Ela pode cair tanto por causa de salários menores (se quem está trabalhando passa a receber menos) quanto por causa de perdas de emprego (se, numa família em que duas pessoas trabalham, uma delas perde o emprego, o rendimento deverá cair mesmo que o salário da outra pessoa seja mantido ou até aumente).

No segundo trimestre, a massa salarial encolheu 1,7% na comparação com um ano antes. Isso mesmo com o número de pessoas trabalhando tendo crescido 5,3%, o que sinaliza para a geração de 4,4 milhões de vagas, entre formais e informais. Só na passagem do primeiro para o segundo trimestre, foram 2,1 milhões de empregos a mais, incluindo formais e informais. Só que, na comparação com o quarto trimestre de 2019, antes da pandemia, são 6,8 milhões de pessoas a menos ocupadas.

Segundo Oreiro, nesse quadro, não tem como o consumo das famílias manter o crescimento no segundo semestre. Assim como Vale, da MB Associados, o professor espera crescimento econômico abaixo de 5,0% neste ano.

“O cenário externo também vai ficar mais complicado no quarto trimestre, com ‘tapering’ (a retirada de estímulos monetários introduzidos para mitigar a crise da covid-19) e inflação ainda alta nos Estados Unidos. Isso vai desvalorizar o real (ou seja, aumentar o valor do dólar) e gerar uma perda de confiança tanto do empresariado quanto do consumidor”, diz o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otavio de Souza Leal. “E ainda tem a variante Delta (do novo coronavírus), que pode atrapalhar.”

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