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Justiça mantém indenização a juiz xingado de ‘estrupício’ por Gilmar Mendes

Márcia Vogel, da 1.ª Turma Recursal da Justiça Federal do Paraná, ministro do Supremo tinha objetivo de atingir Marcos Josegrei da Silva 'em sua dignidade'.

A 1.ª Turma Recursal da Justiça Federal do Paraná decidiu manter a condenação da União pelas críticas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, ao juiz Marcos Josegrei da Silva, responsável pela Operação Carne Fraca. A relatora da ação, a juíza Márcia Vogel Vidal de Oliveira, considerou ofensivas as palavras de Gilmar, que chamou Josegrei de ‘ignorante, sem qualificação, imbecilizado, analfabeto voluntarioso, inimputável e estrupício’. Para Márcia, o ministro tinha o objetivo de constranger o juiz publicamente, ‘atingi-lo em sua dignidade’.

“Buscou-se, assim, humilhar o magistrado de primeiro grau”, anotou Márcia em seu voto.

Os juízes analisaram, no dia 7, um recurso da União contra sentença de primeira instância, dada em maio, que determinou que a União pagasse R$ 20 mil ao juiz da ‘Carne Fraca’.

No julgamento, os juízes consideraram o valor suficiente para reparar o dano causado a Josegrei, mas acolheram em parte a apelação da União com relação à incidência dos juros sobre o montante da condenação.

A decisão foi reformada para registrar que a indenização deverá ser corrigida com juros simples de 0,5% ao mês desde a data da ‘última ofensa’, 14 de agosto de 2018 – e não com juros de 1% ao mês como o juízo de primeiro grau havia determinado.

No recurso ao colegiado, a União alegava que não havia responsabilidade do Estado pelo ato de Gilmar, por causa da ‘plena liberdade funcional dos magistrados no desempenho de suas atividades’, e por não ter sido demonstrado erro judiciário ou conduta dolosa ou fraudulenta do magistrado.

Segundo a União, as críticas do ministro foram feitas apenas quanto à atuação profissional de Josegrei, ‘não abrangendo a sua vida privada’.

A juíza Márcia Vogel, no entanto, registrou que, ao contrário do alegado pela União, a liberdade funcional dos juízes no desempenho de suas atribuições jurisdicionais não é absoluta. “Quaisquer comentários impertinentes à causa analisada pelo magistrado e que ofendam a honra das pessoas envolvidas no processo não encontram guarida no ordenamento jurídico”, ela advertiu.

A magistrada registrou ainda que as críticas de Gilmar foram ‘desrespeitosas’ e feitas ‘à margem de conteúdo ou técnica jurídica’, ‘extrapolando’ a linguagem formal do Poder Judiciário.

Márcia diz que a situação foi agravada pelo fato de os julgamentos do STF serem ‘amplamente divulgados por diversos meios de comunicação em todo o país’.

Com relação à responsabilidade do Estado, Márcia considerou que Gilmar praticou a conduta prevista tanto na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, quanto no Código de Processo Civil, atuando, ‘no mínimo, de modo temerário’ ao divulgar ‘informações inverídicas a respeito da ‘Operação Carne Fraca’ para o específico fim de depreciar a atuação de seus agentes’.

“O magistrado da Suprema Corte proferiu o seu voto mencionando que as investigações teriam por objeto a venda de ‘carne com papelão’, aproveitando a oportunidade para dirigir uma série de palavras ofensivas ao autor, condutor da Operação, visando desqualificar não apenas o seu trabalho, mas, sobretudo, a sua pessoa.”

A Carne Fraca foi deflagrada, em 2017, para investigar suposto esquema de fraudes no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento envolvendo alguns dos maiores frigoríficos do País.

Segundo Márcia, a conduta ‘temerária’ de Gilmar poderia ser qualificada como ‘erro judiciário’ com relação ao registro, nos autos de um julgamento do STF, da ‘infundada versão’ da mistura de ‘papelão à carne’ como objeto da operação.

‘A atuação do juiz deve se pautar pela cortesia’

Em um voto, o juiz federal Gerson Luiz Rocha considerou que a linha de argumentação da União partia de um ‘pressuposto equivocado’, pois busca o tratamento dado a casos em que o ‘ato jurisdicional causa danos às partes do processo’.

A hipótese analisada seria ‘distinta’, segundo o magistrado, uma vez que Josegrei não é parte no processo em que os ‘insultos’ foram proferidos.

Gerson ponderou que nem os parlamentares têm ‘salvo-conduto para que possam insultar quem quer que seja’, uma vez que a imunidade parlamentar abrange exclusivamente a atuação político-legislativa.

A magistratura, pontua o juiz, não tem a mesma prerrogativa, ‘pois a atuação do juiz deve pautar-se, pela própria natureza do cargo, dentre outras, pela cortesia’.

“Não há dúvida de que o teor do discurso proferido ultrapassou qualquer limite do razoável e teve por objetivo claro insultar o ora recorrido”, escreveu o magistrado sobre o caso.

Ele indicou ainda que a ‘impropriedade e o excesso de linguagem’ do discurso de Gilmar também se enquadrariam como abuso de direito, uma vez que objetivava a ‘desvalorização, depreciação e desqualificação’ do juiz da Carne Fraca.

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