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"O juiz foi esquecido ao longo dos anos", diz Carlos Hamilton

Em entrevista exclusiva para o site da ANAMAGES, o magistrado aborda um dos âmbitos presentes no cotidiano do magistrado.

O exercício da função de um magistrado brasileiro envolve muitas dimensões e fatores, como a excessiva carga de trabalho, a atuação em atividade de risco, a participação na vida social muitas vezes de forma reclusa. Paralelamente a esse cenário, o juiz ainda enfrenta, diuturnamente, violentos e desumanos ataques de desmoralização,  com aparente objetivo de enfraquecer um dos pilares da sociedade. Esse é o entendimento do juiz de Direito Carlos Hamilton Bezerra Lima, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), que ocupa a vice-presidência de Assuntos Legislativos da ANAMAGES. Em entrevista exclusiva para o site da ANAMAGES, o magistrado aborda um dos âmbitos presentes no cotidiano do magistrado, o cumprimento de metas com a excessiva carga de trabalho imposta.

O juiz critica a ideia que vem sendo concebida da figura do magistrado enquanto operário de um sistema de produção fabril. Para Carlos Hamilton, é de suma importância que a justiça seja célere e dê a resposta ao direito da parte em tempo razoável. “Todos queremos isso e os Juízes estão comprometidos com este desiderato, entretanto, temos visto nos últimos tempos uma preocupação unicamente com números para a solução do processo, aliás, com referenciais e escore percentuais para a sentença”, disse.

  • Foto: Divulgação/AnamagesJuiz Carlos HamiltonJuiz Carlos Hamilton

Um paralelo da magistratura brasileira com a de outros países, demonstra a superioridade dos juízes brasileiros em termos de produtividade. Na Europa, os  italianos produzem, em média, mil processos por ano, os espanhóis, 700, e os portugueses, 400. Ou seja, os brasileiros produzem quase o dobro dos italianos, mais que o dobro dos espanhóis e quatro vezes mais que os portugueses. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte americana recebeu, em 2013, 8 mil processos e julgou cerca de 80. Na Inglaterra, julga-se menos de 100 processos por ano. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF), na mesma época, recebeu 44 mil novos processos e julgou 85 mil processos, ou seja: mil vezes mais. Conclusão: o magistrado brasileiro é o mais produtivo do mundo.

O magistrado Carlos Hamilton pondera que a grande maioria dos juízes trabalha inclusive aos sábados, domingos e feriados e outros tantos usam as férias para julgar. “Não fazem leis, não administram presídios, não nomeiam, nem contratam. Não foram remetidos estes assessores ou número suficiente em material  e recursos humanos qualificados, desejáveis à personificação da justiça. O juiz, peça fundamental, foi esquecido por completo ao longo dos anos, – e não há evidência de atenção na reforma do judiciário -, e hoje, estão sendo cobrados à exaustão, como se fossem o cajado de Moisés a abrir solução para tudo para o que não deram causa”, diz e ressalta que no Brasil existe um magistrado para cada vinte três mil habitantes.

Carlos Hamilton também defende que a justiça não são números, nem é compatível e nem deve se comprazer com estatísticas, mas pela satisfação das partes. “Não se julga um processo, máxime os antigos, conduzidos quase sempre por outros juízes que o antecederam, sem que sejam lidas e avaliadas as provas e o direito com muita acuidade”, afirma.

Para o juiz, a culpa, na maioria das vezes, está numa legislação anacrônica, vetusta, que quando inova, parece olvidar por completo a condição de trabalho dos magistrados, como se o processo fosse algo simples, como a colocar uma roupa suja numa máquina de lavar e dali sair pronta, inclusive passada. “Nesse particular, o legislativo pouco concorreu para avanço do judiciário. Uma postura mais firme e direcionada a um poder judicante mais independente e pragmático, pouco tem se revelado em efeitos concretos ao povo, real destinatário da prestação jurisdicional”, disse.

Para Carlos Hamilton, a democracia, o bem comum e a pacificação de conflitos precisam sobreviver, mas por um judiciário justo, coerente e sábio na avaliação de provas, obediente às leis e princípios jurídicos ínsitos da decisão judicial respectiva, e isso não se faz como quem se busca um recorde.

Conforme Carlos Hamilton, os magistrados são profissionais esforçados e que infelizmente são colocados como pouco afeitos ao trabalho em detrimento de salários considerados altos e outras vantagens. Ele sustenta que a sociedade deveria refletir profundamente sobre as suas estruturas, sobre a carga simbólica dos posicionamentos defendidos por agentes públicos, além de pensar de forma crítica sobre o papel desempenhado pelos poderes da nação. 

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