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Sem energia elétrica, vacinas foram refrigeradas em açougue no Amapá

No interior, cidade de Tartarugalzinho teve de improvisar porque posto de saúde não tem gerador; Estado entra no 10º dia de apagão.

A interrupção no fornecimento de energia elétrica colocou em xeque as vacinas à disposição dos 17 mil moradores de Tartarugalzinho, cidade de frágil infraestrutura na floresta do Amapá. Com o apagão que atingiu o Estado, a luz parou de chegar à unidade básica de saúde (UBS) onde ficam as duas geladeiras com os materiais, que demandam refrigeração permanente.

A saída emergencial para que não se estragassem os lotes de vacinas - como a tríplice viral, a de hepatite B e a antirrábica - foi transferir as geladeiras para um açougue, um dos poucos locais com energia na cidade, 230 km ao Norte de Macapá.

As geladeiras com as vacinas ficaram no local improvisado por seis dias, de quarta-feira da semana passada até a última segunda-feira, 9, quando voltaram para o posto de saúde. Além de carne, o estabelecimento trabalha com produtos variados de material de construção.

“Todas as vacinas utilizadas pela população tiveram de sair daqui por causa do apagão. Não temos gerador. Armazenamos tudo em caixas térmicas. Mas depois tivemos que levar para o açougue que tem gerador”, afirmou Bete Correia, diretora da UBS José Meireles.

O atendimento nas duas únicas unidades de saúde do município chegou a ser suspenso. “Era uma urgência. As vacinas poderiam estragar e deixar de atender muitas crianças”, contou o açougueiro Alessandro Juan, de 43 anos. Morungaba, como ele é conhecido, fez um investimento providencial no início do ano. O gerador que custou R$ 14 mil ajudou a socorrer também outros comerciantes e vizinhos.

Na última segunda-feira, o presidente Bolsonaro disse que a situação estava 70% resolvida. Se na capital do Estado o rodízio de luz é falho, no interior as consequências do apagão são ainda mais severas. A equipe do Estadão registrou nos municípios de Tartarugalzinho, Ferreira Gomes e Porto Grande o drama das famílias com as quedas de energia. Nas ruas centrais sem asfalto, os comunicados oficiais de Brasília não fazem eco, ante a falta de luz e energia.

Só três cidades, abastecidas com sistemas diferentes daquele que pegou fogo no último dia 3, não estão às escuras: Oiapoque, Laranjal do Jari e Vitória do Jari. Em municípios como Calçoene e Amapá, os dramas ainda são profundos.

No bairro do Trem, em Macapá, onde mora o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM), o rodízio de energia é regular. A luz tem hora para chegar e para ir embora. As casas do entorno de hospitais da região metropolitana estão beneficiadas por alimentação permanente. Nos rincões do Estado, a vida está longe de voltar ao normal.

Sem gelo

Lenilton Barbosa dos Santos, 39, não pesca desde a terça-feira da última semana, 10. Morador da comunidade de Andiroba, entre Tartarugalzinho e Ferreira-Gomes, precisa de gelo para armazenar os tucunarés que tira do Rio Tartarugalzinho. “Sem gelo não dá para pescar. Arrumei um trocado porque consegui uma mandioca que um rapaz me deu, fiz farinha e vendi. Comprei açúcar, café, coisas para manter as crianças. Mas já acabou”, disse.

Lenilton conseguiu acesso a não mais do que três parcelas do auxílio emergencial de R$ 600 pagos pelo governo. Com dois terços do dinheiro presenteou a si próprio com uma geladeira, em agosto - ela está fora da tomada desde a semana passada. “Não tem como funcionar. A energia vai e volta.”

Para não perder a pouca comida que tinham, a mulher dele salgou o alimento. “A gente tem de colocar sal na carne e no peixe para não estragar. A água também não tá boa. Quando a luz vem, a gente enche a caixa e vamos distribuindo”, disse Ziane Souza Santos, 28, enquanto o caçula de seis filhos, Diogo, de 11 meses, dormia em seu colo.

O casal reservou o dia para viajar ao centro de Tartarugalzinho para, entre outras coisas, atualizar os cadastros de pescadores e conseguir um cartão do SUS. A informação no hospital era a de que não havia internet para atendê-los. A viagem foi perdida. Custou cerca de R$ 50.

No breu das noites de Tartarugalzinho, bem longe de Brasília, não resta muito a não ser esperar e resistir. Em uma roda de cantoria no centro da cidade, um grupo de jovens matava o tempo iluminado pela luz das estrelas e por celulares. Cantavam a canção É preciso saber viver, de Roberto e Erasmo Carlos.

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