Fechar
GP1

Ciência e Tecnologia

Serviço de namoro do Facebook quer ir além do casual

Disponível no País, recurso quer ‘relação significativa’; para analistas, porém, falta de diferenciais e questão de privacidade são entraves.

Diz o clichê que o mundo dos solteiros é cheio de opções. Para aqueles que, nos últimos anos, se dispuseram a explorar o mundo dos aplicativos de relacionamento, a máxima faz sentido: Tinder, Happn, Bumble e outros disputam há anos a atenção dos usuários, para ver quem os ajuda a encontrar “a metade da laranja”. Na semana passada, uma nova opção chegou ao mercado brasileiro: o Facebook Dating, nova “aba” da rede social de Mark Zuckerberg. A função passou a operar prometendo balançar um setor que, na opinião de analistas e usuários, anda “um pouco encalhado”.

Por enquanto, o serviço está em modo de testes: recolhe os perfis de usuários interessados em conhecer alguém novo, para, em um segundo momento, sugerir possíveis parceiros de acordo com interesses dos usuários, com ajuda de algoritmos.

Para participar, é preciso ter um perfil na rede social e usar o mesmo app ou site do Facebook. A sincronização para por aí: o perfil do Dating é separado da rede e o serviço de namoro não vai mostrar amigos do usuário como sugestão, a fim de evitar constrangimentos.

A meta da empresa é ambiciosa: ajudar seus 200 milhões de usuários autodeclarados como solteiros a encontrar um relacionamento sério, indo além da “curtição” de uma só noite. “Queremos que as pessoas não façam jogos, queremos formar relacionamentos significativos”, diz Charmaine Hung, gerente de produtos no Facebook Dating, ao Estado.

Jogo da conquista

É uma missão difícil: para analistas ouvidos pela reportagem, a rede social ainda não apresentou recursos que vão além do que é apresentado pelos concorrentes.

“Pelo que vi até agora, a interface é similar à dos concorrentes, com ênfase nas imagens dos usuários”, diz o consultor especialista em redes sociais Alexandre Inagaki.

É prática corrente na indústria apresentar potenciais parceiros pelas suas fotos – o que pode aumentar a superficialidade e a casualidade das relações dentro dos aplicativos. “Em apps como o Tinder, os usuários são apresentados a um cardápio infinito de opções. É difícil ter um papo aprofundado que não resulte só em sexo casual, porque sempre há outra opção logo ali”, diz ele.

É o que afirma a servidora pública Débora Costa, de 30 anos, que usa os aplicativos desde 2013. “Para manter relações duradouras, o app tem de se basear em características além das visuais. Uma foto bonita atrai, mas com tanta gente disponível, como distinguir quem tem algo mais a oferecer?”, diz.

Até mesmo a concorrência reconhece que há defeitos nesse aspecto: “Hoje, a maioria das informações dos usuários são imagens, o que não é suficiente”, diz Didier Rappaport, presidente executivo do Happn, com 10 milhões de usuários no País. “Estamos preparando uma solução para isso”, afirma, sem entrar em detalhes. Ele não teme a chegada do Facebook ao mercado: acha que a maioria dos usuários não quer misturar sua vida privada (flertes e paqueras) com a vida pública na rede social de Zuckerberg.

Segredinho

A privacidade pode ser outra pedra no caminho do Facebook Dating. Questionado, o Facebook ressalta que o Dating ficará em uma parte separada da rede social. Também alega que nenhuma das informações do serviço de namoro será usada para a criação de anúncios personalizados ou compartilhada com os amigos do usuário na rede social.

Mas a fama da plataforma, envolta em escândalos nos últimos anos, não ajuda. Um sintoma pode ser extraído do rival Tinder: inicialmente, o aplicativo de namoro mais popular do mercado só permitia que seus usuários se cadastrassem usando um perfil do Facebook. Hoje, porém, é possível se inscrever com um número de telefone. “Após adotarmos a nova função, 75% dos novos usuários preferiram não usar o Facebook”, diz Mandy Ginsberg, presidente executiva do Match Group, que controla o Tinder. “Para nós, foi um sinal de que as pessoas não queriam misturar as duas coisas.”

Outros afirmam, porém, que a privacidade é um valor discutível. “É um conceito que importa para pouca gente. Quem usa um serviço desses, na média, está mesmo interessado é em quantos encontros pode arranjar”, diz Michel Alcoforado, antropólogo e sócio da consultoria Consumoteca.

Bolha romântica

Na visão do especialista, há outro ponto sensível que deve ser discutido: a criação de bolhas românticas. Isto é, que os apps só juntem pessoas parecidas: em pesquisa feita pela Consumoteca em 2018 com mil pessoas, 46% dos entrevistados disseram usar os apps em busca de um perfil predeterminado. Quando os interesses dos usuários passam a ser usados como fator de aproximação por algoritmos – como no OKCupid e promete o Facebook no Dating – ainda que pouco palpável, isso se torna ainda mais sensível.

Na visão de Alexandre Inagaki, o OK Cupid é hoje o aplicativo que melhor reúne as condições para formar relacionamentos duradouros. “O grande diferencial é que ele oferece uma enxurrada de perguntas, de ética e religião a questões do cotidiano – e aí calcula a afinidade das pessoas”, afirma.

Para Alcoforado, porém, a discussão é complexa. “Pode ser cada vez mais difícil se apaixonar por alguém diferente”, afirma. “É o fim dos opostos que se atraem.”

Mais conteúdo sobre:

Ver todos os comentários   | 0 |

Facebook
 
© 2007-2024 GP1 - Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do GP1.